sexta-feira, 7 de agosto de 2009

FENOMENOLOGIA AMBIENTAL

A Fenomenologia, o Existencialismo, a Filosofia da Vida, a Dia-lógica apontam para dois modos de sermos que nos constituem en-quanto humanos. O modo de sermos ontológico. E um modo de ser-mos ôntico.
Na experiência do modo ôntico de sermos -- modo de sermos como coisa, ao qual Buber, por exemplo, designou como eu-isso --, sujeito e objeto se dicotomizam, e se contrapõem, reificando-se, no limite, como sujeito em si, e objeto em si; definidas em si uma subje-tividade e uma objetividade ideais, não vivenciativas. Um mim mes-mo, e um eu mundo reificados, e cristalizados, enquanto coisas, que em suas extremizações se enrijecem, e se impermeabilizam.
Falece a dialógica do ser no mundo, o movimento em direção, e a partir de uma alteridade radical com a qual estamos ontologica-mente implicados. Esse modo de sermos, a que Buber designou como eu-isso, é naturalmente constiuinte do ser que somos. A sua preva-lência e enfraquecimento da alternância com o modo ontológico de sermos, aparta-nos, e aparta o mundo, ainda que nunca de um modo excludente, da condição de nosso modo ontológico de ser.
Na medida proporcional assim em que, progressivamente, se fragilizam a vivência de possibilidades e o desdobramento de possibi-lidades, inerentes e intrínsecos ao nosso modo ontológico de ser, fra-giliza-se a consciência e a motricidade especificamente ativas, criati-vas, na medida em que o a vivência de possibilidades, e do desdobramento de possibilidades constituem o que chamamos de a-ção.
A ação pode se dar como vivência meramente compreensiva, ou como vivência compreensiva e motora. Mas, necessariamente no modo compreensivo de sermos, a ação, a interpretação compreensi-va, é vivência do modo de sermos da potência, da vivência de possi-bilidades, e da vivência do desdobramento de possibilidades. Da este-sia, estética, e da poiese, como criação fenomenológico existencial, ontológica, dialógica.
A experiência do modo ôntico de sermos -- no qual se constitu-em tanto o nosso modo teorético de sermos, como o nosso modo comportamental, e pragmático -- se caracteriza, assim, pelo fato de que neste modo de sermos não vivenciamos possibilidade, e o seu desdobramento, no que chamamos de ação, de atualização, de inter-pretação compreensiva, performação e performance fenomenológico existenciais dialógicas.
Vale dizer que, na vivência predominante do modo ôntico de sermos, também, a mente progressivamente tende a se reificar, co-mo uma mente em si; destacada e contraposta a um corpo em si, igualmente desprovidos da vivência compreensiva da potência do possível, da possibilidade, e da ação compreensiva, ou compreensiva e motora. A alienação do ambiente e alienação do corpo se implicam recíproca e necessariamente.
Na sua momentaneidade, este modo ôntico, eu-isso, de sermos faz parte do que somos; ou seja, é uma dimensão, também, da onto-logia de nós mesmos. Só se caracterizando como problemático em suas extremizações, e instalações, quando prescreve e impede a al-ternância com o modo ontológico, vivencial, fenomenológico existen-cial, eu-tu, de sermos.
O modo ontológico de sermos -- comum a todos nós, enquanto humanos, em alternância com o modo ôntico de sermos --, ainda que freqüentemente desvalorizado, ou mesmo negado, ou mal entendido no âmbito de uma civilização tecnológica, pragmática, e comporta-mental, é o modo ontologicamente originário de sermos, dele deriva o modo ôntico de sermos; e o retorno existencialmente cíclico a ele permite-nos, sobretudo, assim, a vivência da ação, a partir da vivên-cia do possível e do desdobramento do possível, que lhe é exclusiva, e própria.
Este modo ontológico de sermos tem características muito pe-culiares, eventualmente desconcertantes, no âmbito de nossa civiliza-ção, inconvenientes; mas características, e condições de possibilidade de nossa ação, de nossa criação. Quer seja a um nível e numa moda-lidade meramente psicológica, meramente compreensiva; quer seja ao nível e numa modalidade psicológica, compreensiva, e motora.
Dentre as mais fundamentais características deste modo onto-lógico, eu-tu, de sermos, destaca-se, pela intencionalidade, a sua condição como um modo de sermos no qual se dissolve a dicotomia sujeito-objeto. De forma que no modo ontológico de sermos tende-mos a um tipo característico de vivência em que superamos esta di-cotomização.
Ainda que a vivência de nosso modo ontológico de sermos seja uma forma de vivência na qual não vigora a dicotomia sujeito-objeto, neste modo de sermos vigora caracteristicamente a dualidade da dia-lógica eu-tu, na qual nós mesmos e o ambiente se nos damos como alteridades radicais, e ativas, necessariamente implicadas, numa dia-lógica, como dia-logos.
A dimensão deste modo ontológico de sermos não se dá como nosso modo reflexivo de sermos, como o modo teorético de sermos. Ela se dá especificamente como vivência, ou seja, é pré-reflexiva, pré-conceitual, pré-teorética. Da mesma forma que é pré-comportamental, e pré-pragmática. Ou seja, ainda que constitua as bases sobre a qual pode se desenvolver a teoria, é ele mesmo um modo momentaneamente pré-teórico de sermos; ainda que constitua as bases do comportamento, e da utilidade e da funcionalidade, é ela mesma, em si, na qualidade própria de sua vivência, pré-comportamental, pré-prática, pré-pragmática.
Uma característica fundamental assim dos momentos da dura-ção deste modo ontológico de sermos – do modo ontológico de ser-mos ambientais --, é a de que, enquanto duram, eles são caracteris-ticamente despropositais. Ou seja, o modo de sermos de sua vivência é um modo de sermos no qual não vigoram as relações de causa e efeito – a causalidade --, e a utilidade: o uso e a utilidade. Neste modo de sermos estamos vivencialmente impregnados de pos-sibilidades, e, caracteristicamente, o que vivenciamos são as possibi-lidades que se apresentam, e se impõem, e o seu desdobramento cri-ativo e poiético, no que chamamos de ação. As possibilidades têm uma potência e um sentido próprios, e somos a vivência de sua po-tência e do seu sentido. Podemos viver ou recusar a possibilidade, e o seu desdobramento; ou podemos vivenciá-la e navegar o seu desdo-bramento, mas este processo da vivência da possibilidade e de seu desdobramento é eminente e especificamente desproposital; não é do modo de sermos no qual vigoram as relações de causa e efeito, e a utilidade.
Caracteristicamente, pois, o modo ontológico de sermos, en-quanto eminentemente impregnado de possibilidade, e de possibilita-ção, se configura como sendo, naturalmente, da ordem da potência do possível, e de seu desdobramento; o que faz com que ele não seja da ordem do real, da realidade, do realizado. Já que a vivência de possibilidade e de possibilitação, e a experiência da realidade, se con-trapõem antinomicamente como modo de sermos. A vivência ontoló-gica, eu-tu, a ação, a criação – poiese --, é da ordem da vivência de possibilidade, e da vivência do desdobramento de possibilidade, é a-tualidade e atualização, e, ainda que seja da ordem da realização, não é da ordem da realidade.
O ambiente pode se dar quer seja ao modo ôntico, ou ao modo ontológico de sermos. O ambiente pode se dar existencial, ou não e-xistencialmente. Mas em sua raiz, em seu caráter originário, como o ser de tudo, no ser no mundo, o ambiente é própria e especificamen-te vivência ontológica.
Grosso modo, esse modo de sermos que podemos chamar de ontologicamente ambiental, pode ter várias designações ao nível da ontologia. É o modo de sermos a que Dilthey chamou de vivido, vi-vência (erleben, erlebeniss, ambas as palavras se referindo a vida, Leben). Guardando a especificidades de cada referencial, é o modo de sermos dialógico, a que Martin Buber chamou de eu-tu; o modo de sermos que Heidegger designou de ontológico; que Husserl designou de lebenswelt...
Este modo de sermos a que podemos designar de ontológico, é, assim, o modo de sermos no qual vivenciamos a indissociabilidade de sermos ambientais, a integridade entre nós mesmos e o que enten-demos por meio ambiente, a integridade do ser do qual fazemos in-dissociavelmente parte, e que podemos assim chamar de ambi-ente. Neste modo de sermos, estamos indissociavelmente implicados, com o ambiente, e como ambiente, somos, nesse modo de sermos, ambi-entais.
De modo que, como observamos, ontologicamente, e ontologi-camente ambientais, não temos uma objetividade, nem uma subjeti-vidade em si, para que possamos constituir o ambiente como objeto, e a nós próprios como sujeitos de um ambiente predominantemente objetivo, causalmente manipulável em sua essência, pragmático e pragmatizável. Ainda assim, o ambiente se dá como, e dispõe da, e desdobra, permanente e infinitamente a alteridade radical de um tu em cujo mistério, e na dialógica com o qual, implicamos e estamos implicados.
A partir das premissas dessas perspectivas podemos bosquejar experimental e especulativamente as categorias de uma tal psicologia ambiental fenomenológico existencial. Comentamos algumas a se-guir.